quarta-feira, 3 de junho de 2009

presente...


"Que presente te dar, eu que tanto quero e pouco dou, porque mesquinho, egoísta, distraído não te cumulo daquilo que deveria cumular?

Deveria entreabrir-te jóias, tecidos, requintados objetos, ou deveria dar-te não o que posso buscar lá fora, mas o que, em mim, está fechado e mal sei desembrulhar?

Te dar aquele verso de canção um dia ouvida não sei mais onde, se numa tarde de chuva, se entre os lençóis cansados; ou talvez o puro som de um saxofone ao fim do dia, com algo de promessa e melancolia.

Escrever bilhetes pela casa inteira, metê-los entre roupas, armários, prateleiras, recados daquele que nunca se ausentou, embora esse ar de quem vive partindo, mas se alguma vez partiu, partido foi para reunido regressar.

Te dar um gesto simples. Passar a mão de repente sobre sua mão, como se apalpa a vida ou o fruto que pode ser colhido.

Te dar um olhar, não aquele ar distraído, de quem está de costas perdido, mas um olhar de quem chegou inteiro e se entrega enternecido e desamparado dizendo: olha, sou teu, agora veja lá o que vai fazer comigo."


Affonso Romano de Sant'anna

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